quarta-feira, 27 de abril de 2011

Mulheres Prisioneiras do Passado

 
 
A experiência clínica de qualquer psicoterapeuta mostra a realidade de um fato:o sofrimento que acomete principalmente mulheres solitárias, as quais um dia já foram felizes em seus relacionamentos passados e que, devido à semelhança dos sintomas, comuns a todas elas, configuram uma síndrome que, neste trabalho deliberei, por suas características, denominar de Síndrome da Mulher de Ló.

A palavra síndrome, proveniente do greco síndromé, significa “reunião de sinais e sintomas que ocorrem em conjunto e que caracterizam uma doença ou uma perturbação”.

Mas por que Síndrome da Mulher de Ló?

Não existe uma razão intrínseca, a não ser a analogia que encontrei entre os sintomas dessas mulheres, e a tragédia retirada da história hebraica antiga, e que se resume no texto que encima esta introdução, a qual se abateu sobre a esposa de Ló, sobrinho de Abraão, o patriarca da nação israelita.

A história, que se acha registrada no capítulo 19 do Gênesis, normalmente é interpretada em seu sentido teológico. Neste texto, porém, irei abstrair dela apenas o seu sentido simbólico, metafórico, para fazer uma correlação com os sintomas que acometem as mulheres solitárias, sobre os quais adiante irei tratar.

Entretanto, para aqueles que não conhecem a história, acho bastante conveniente relatá-la aqui, embora de maneira resumida, para que possamos prosseguir com um correto entendimento do assunto. “Tudo começou com uma querela entre os pastores de Abraão e os pastores de seu sobrinho Ló, os quais começaram a disputar entre si o espaço para a pastagem de seus respectivos rebanhos”.

Abraão, descontente com essa discórdia, propôs uma divisão de terras e deu a seu sobrinho a chance de escolher em primeiro lugar, com qual parte delas desejava ficar.

Ló, ao contemplar de longe o panorama que se lhe apresentava, notou que um lugar conhecido como “as campinas do Jordão”, era todo bem regado e para lá resolveu mudar-se, instalando-se na cidade de Sodoma, tornando-se ali um estrangeiro respeitado e bem - sucedido. A história prossegue, narrando que Sodoma, assim como a vizinha Gomorra eram cidades corrompidas, nas quais proliferavam a promiscuidade sexual, em especial o homossexualismo, razão pela qual Jeová resolveu destruí-las, uma vez que sua maldade tornara-se insuportável.

No entanto, antes que isso acontecesse, enviou dois anjos, com aparência de homens, para livrar Ló e sua família da destruição. Esses homens foram recebidos por Ló e acolhidos por ele debaixo de seu teto, para passarem a noite.

Porém, os homens da cidade vieram bater à porta da casa, exigindo que os anjos fossem colocados para fora, a fim de serem sexualmente abusados por eles. Como Ló se recusasse a atender a tal pedido, os homens enfurecidos, quiseram abusar do próprio Ló, ocasião em que os anjos intervieram e feriram os habitantes da cidade de cegueira.

A partir desse momento, os anjos começaram a instar Ló e sua família para que saíssem rapidamente da cidade, antes do amanhecer, pois iriam destruir o lugar e não poderiam fazê-lo antes que Ló e sua família fossem dali retirados.

Como se demorassem, os anjos pegaram pelas mãos Ló, sua esposa e suas filhas e praticamente os obrigaram a sair o mais rápido possível, não antes, porém, de dar-lhes uma severa advertência, para que não olhassem para trás.

Assim, tão logo Ló, sua esposa e suas duas filhas saíram de Sodoma, os anjos começaram a destruir as cidades, com fogo e enxofre. Todos obedeceram a ordem expressa dos anjos, exceto a mulher de Ló, que, por alguma motivação interior, olhou para trás e, como castigo, foi imediatamente convertida numa estátua de sal.”

Como você pode observar, aí está o motivo para a escolha do nome: Síndrome da Mulher de Ló – o seu conteúdo metafórico, em dois sentidos.

O primeiro, de olhar para trás, com seu óbvio significado de ficar presa ao passado, sentir pena do que foi deixado, ter curiosidade pela destruição daquilo que ficou, manter o coração na antiga vida, ater-se a bens que não existem mais, perder a antiga condição de abastança e tantos outros que aqui poderíamos enumerar.

O segundo refere-se à própria natureza de sua punição: ser convertida numa estátua de sal, ou seja, ficar petrificada, engessada, ossificada, cristalizada – uma situação que lembra completa imobilidade, total ausência de movimento e vida.

Tal é o que ocorre também, simbolicamente, com as mulheres que sofrem da Síndrome da Mulher de Ló. Via de regra, são mulheres que já foram felizes ou experimentaram o amor em algum momento de suas vidas.

Mas, infelizmente, sofreram uma grande decepção por parte da pessoa amada de tal maneira que vieram a engessar; ou, em outras palavras, congelar suas emoções, tornando-se vítimas do medo.

Não daquele medo que é normal e que constitui a vivência de um período de luto até necessário para quem sofre uma grande frustração ou uma grande perda. Mas um medo descomunal, desproporcional e completamente mórbido de sequer cogitar o abrir-se para um novo relacionamento, embora, no íntimo, até preferissem isso, se tivessem a capacidade perdida de o desejar.

Esse medo mórbido é filho do sofrimento, típico de pessoas maltratadas pela vida, desprovidas de ilusão, frustradas em seus sonhos passados; ou ainda chorando por um relacionamento que já acabou, que já foi destruído, que já não existe mais, que está morto e enterrado.

Mas que, a despeito de meses, anos ou décadas decorridos, continua sendo motivo de constante derramamento de lágrimas, tornando, assim inviável, a felicidade que ainda poderia existir, se esse sofrimento todo pudesse ser debelado.

E o que é ainda pior: a síndrome é ainda complementada por toda sorte de sentimentos negativos e contraditórios que são experienciados: culpa, raiva, rancor, autodepreciação, inconformismo, desejo de vingança, indiferença forjada, instabilidade emocional, extrema irritação e, conforme já referido, falta de perspectivas.

Entretanto, como não poderia deixar de ser, está claro que tais pessoas estão simplesmente dificultando as coisas, com o objetivo inconsciente de evitar um temido novo envolvimento, utilizando-se, para isso, de expedientes que são apenas os “sintomas” que escondem o medo irracional de se envolverem emocionalmente e de "correrem o risco" de serem felizes outra vez!

Trata-se, na verdade, de um “autoboicote”.

Necessário se faz, portanto, que mulheres portadoras da "Síndrome da Mulher de Ló" comecem a perceber que a perspectiva de vida que escolheram viver é apenas um mecanismo de defesa que não as levará a lugar nenhum.

Somente essa percepção realística as fará sair da paralisação emocional.

Ela poderá significar o abandono de uma posição considerada "segura" e o atrever-se a ir em busca de algo que poderá parecer ameaçador, uma vez que vislumbrar a chance de poder ser feliz outra vez pode parecer de fato um risco.

Todavia, um risco que valerá toda a pena.

Para essas mulheres, deixo como reflexão, o texto a seguir:

Arriscar é Viver "Rir é arriscar-se a parecer louco.
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental.
Estender a mão para o outro é arriscar-se a se envolver.
Expor seus sentimentos é arriscar a expor seu eu verdadeiro.
Amar é arriscar-se a não ser amado.
Expor suas idéias e sonhos ao público é arriscar-se a perder.
Viver é arriscar-se a morrer.
Ter esperança é arriscar-se a sofrer decepção.
Tentar é arriscar-se a falhar.
Mas...é preciso correr riscos.
Porque o maior azar da vida é não arriscar nada...
Pessoas que não arriscam, que nada fazem, nada são.
Podem estar evitando o sofrimento e a tristeza.
Mas assim não podem aprender, sentir, crescer, mudar, viver...
Acorrentadas às suas atitudes, são escravas;
Abrem mão de sua liberdade.
Só a pessoa que se arrisca é livre...
Arriscar-se é perder o pé por algum tempo...
Não arriscar é perder a vida..."

(Soren Kierkegaard)  

Tony Ayres

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