sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Trabalho e Família

 
 
O marido chega em casa tarde da noite e encontra sua esposa quase dormindo, sentada em uma cadeira na cozinha tentando se acalmar com uma xícara de café:
- Isso são horas?
- Você sabe, querida, é o meu trabalho... – tenta se justificar.
- Mas de novo? – levanta-se a esposa – Você sai de casa, as crianças estão dormindo; chega em casa, estão dormindo também… você sabe a quantos dias elas não te vêem?
- Eu sei, eu sei, meu amor. Não pense que eu gosto dessa situação! Mas entenda, é temporário. Essa situação vai mudar, eu prometo! Afinal de contas, você tem que entender… se eu estou trabalhando tanto é por causa de vocês... por causa da minha família!
O diálogo acima poderia ter acontecido na casa de muitos de nós. O que podemos aprender com a Palavra de Deus para resolvermos esse impasse que se torna a cada dia mais freqüente e mais destrutivo em nossos lares?


A. O Lugar da Família na Vida do Cristão
 
Logo nas primeiras páginas da Bíblia Deus estabeleceu regras para a humanidade sem pecado se relacionar tanto com a Criação, como uns com os outros e com o próprio Deus. Para cada um destes relacionamentos, o Criador estabeleceu regras as quais damos o nome de mandatos. Um desses mandatos, portanto, tem a ver com normas quanto à convivência do ser humano em sociedade e aproximando mais nosso foco, em família. Deus disse a Adão e Eva: “Sede fecundos, multiplicai-vos…” (Gn 1.28). Quanto ao relacionamento entre marido e esposa, a Bíblia também se pronunciou: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne.” (Gn 2.24) Esse é o Mandato Social.
Essas considerações são necessárias porque o cristão não pode fabricar leis para a sua vivência familiar nem tão pouco viver o pragmatismo em seu lar, ou seja, fazer aquilo que aparentemente dá certo. O cristão deve atentar para o fato de que Deus, desde o início, se pronunciou quanto ao valor da família e como o ser humano deveria se portar em obediência diante desse assunto. 
 
1. O Valor dos filhos – O salmo 127 diz que os filhos são “herança do Senhor” (v.3) e que o homem que “enche deles a sua aljava” (v.5) é bem-aventurado. No Salmo 128 eles são chamados de “rebentos da oliveira” (v.3). Todas as declarações dos dois salmos estão ligadas à idéia de “proteção”. Os filhos garantem a continuidade da qualidade de vida de seus pais. Eles são flechas na mão do guerreio e os que têm filhos não se envergonham diante dos inimigos. Podemos perguntar: “Que inimigos são estes?” Em uma interpretação literal, uma família numerosa representava segurança diante de uma tentativa de invasão e tomada de terras. Também no quesito trabalho os filhos eram o mesmo que ter prosperidade. Em uma sociedade rural, ter muitos filhos era sinônimo de mão de obra. Assim, mesmo na velhice, o pai tinha a garantia de que o sustento familiar seria provido. Mas podemos enxergar as declarações dos salmos de maneira figurada: os filhos são motivos de bênçãos na época em que os pais mais precisarão deles. Seguindo esta interpretação, devemos entender por “inimigos” os anos finais da vida. O capítulo 12 de Eclesiastes relata as limitações do corpo conforme os anos da velhice se aproximam. Deste modo, o corpo que na juventude é o grande aliado, com o passar dos anos torna-se cada vez mais motivo de preocupações e cuidados. Agora, em idade avançada, o ser humano luta com seu próprio corpo; tenta vencer suas limitações físicas. Em ambas as interpretações, o papel dos filhos é crucial. Tanto que eles são chamados de “rebentos da oliveira à roda da tua mesa” (Salmo 128.3) Entendamos melhor o que essa comparação quer dizer: Como não existia luz elétrica naquela época, as famílias faziam uso de lampiões. Esses lampiões eram movidos a óleo, óleo de oliveira ou, como também podemos chamar, azeite. Assim, o salmista aponta para os filhos como a fonte de luz e energia do lar. Ter uma família grande é a garantia de que os filhos poderão compartilhar uns com os outros o cuidado para com seus pais.
 
2. O Valor do Matrimônio – A Palavra de Deus responsabiliza prioritariamente o homem pelo sustento financeiro do lar. Deus disse a Adão: “No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás.” (Gn 3.19) Por isso, podemos entender o Salmo 128 como uma distribuição de responsabilidades que vamos observar no quadro abaixo:
v.2
marido
Trabalhar para que haja comida em seu lar
v.3a
Esposa
Ser videira frutífera
v. 3b
Filhos
Serem como rebentos de oliveira
 
Já falamos a respeito do quer dizer “rebentos da oliveira”, vejamos, portanto, o que significa para a esposa ser chamada de “videira frutífera”. A videira produz uva e da uva se faz o vinho. Embora existam muitas passagens na Bíblia a respeito de como a embriaguez é condenada, em outras o vinho tem uma conotação muito positiva. Principalmente no relacionamento conjugal, o vinho serve de metáfora para o deleite que deve existir por parte dos cônjuges (Ct 7.8-9). Quando o salmista responsabiliza a mulher por ser “videira frutífera” para o marido na verdade ele está querendo dizer que o marido deve ansiar por voltar para casa vindo do trabalho porque sabe que quando chegar vai encontrar alguém que irá lhe satisfazer plenamente. Por outro lado, podemos imaginar também a videira como sendo capaz de dar frutos em cachos, ou seja, assim como de uma semente cachos podem ser produzidos, também uma esposa que alegra o marido é aquela que tem muitos filhos. Aliás, a ansiedade de ter muitos filhos levou muitos servos de Deus a pecarem adotando várias esposas ou concubinas (compare Deuteronômio 17.17 com 1Reis 11.1-13).
 
Comparando os filhos com a oliveira e a esposa com a videira o salmista revela o valor da família. Não havia nada mais importante ou caro comercialmente falando do que o vinho e o azeite. É importante que fique muito bem frisado o extraordinário valor da família, pois isso nos ajudará a ter uma compreensão melhor do papel do trabalho.

B. O Lugar do trabalho na vida do cristão
 
Não podemos esperar que ímpios e crentes tenham a mesma compreensão do que venha a ser a maneira correta de se trabalhar. Por isso precisamos analisar quais são as diferenças.
 
1. O Trabalho para o Ímpio
Na parábola do semeador, Jesus fala a respeito de um semeador que lançou a semente sobre quatro tipos de solos. Um destes solos foi descrito da seguinte forma: “A que caiu entre espinhos são os que ouviram e, no decorrer dos dias, foram sufocados com os cuidados, riquezas e deleites da vida; os seus frutos não chegam a amadurecer.” (Lc 8.14) Este grupo demonstra alguma resposta ao evangelho sem, no entanto, desenvolver a fé verdadeira. Parece que Jesus divide esses espinhos em três principais, segundo argumenta Willian Hendriksen[1]: 1º Espinho – Cuidados ou Preocupações da Vida. Esta preocupação condenada por Jesus extrapola os limites do planejamento pessoal e se traduz por ansiedade. A ansiedade é amplamente combatida pela Bíblia por ter um alto grau de destruição (Fp 4.6; Lc 12.4-12, 22-34; Mt 6.25-34; 10.19-29, 28-31). 2º Espinho – Riquezas. Embora possuir dinheiro não seja pecado, ter amor a ele é (1Tm 6.10). Jesus está condenando a busca desenfreada pelo dinheiro (Lc 12.13-21; 16.19-31; 18.18-24). 3º Espinho – Prazeres da Vida. Tanto prazeres que são nocivos em si mesmos (embriaguez, drogas, jogos e azar) quanto aqueles que são nocivos se não forem moderados (esportes, jogos, diversões). As pessoas que são atingidas por estes espinhos nunca chegam a produzir frutos verdadeiros. São, porém como Demas, segundo testemunhou o apóstolo Paulo: “Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica.” (2Tm 4.10a)
 
Jesus certa vez disse: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou a causar dano a si mesmo?” (Lc 9.25) Assim como Demas, aquele que dá mais valor ao mundo mostra que nunca foi de fato um cristão. Mas, além dessa pessoa perder a sua alma, ela perderá coisas ainda nessa vida, causando muito dano a si mesma. Não ver os filhos crescendo e não participar de sua educação são perdas irreparáveis. A sociedade atual não é muito diferente nesse aspecto do que foi o Império romano. A família da classe média romana, assim que o filho nascia, entregava-o para uma escrava porque essa seria sua ama de leite. Assim, a mãe não amamentava a criança e sim a escrava. Depois, com alguns anos de vida ainda, a criança era entregue pra um outro escravo, quase sempre grego, que seria o responsável pela sua educação. Outra vez, os pais se omitiam. O resultado disso é o que vemos nos registros históricos. Filhos que não hesitavam em assassinar seus pais para atingirem seus objetivos. Como é que laços de carinho e amor podem ser construídos sem que haja relacionamento? Por essa razão é que também podemos observar na sociedade atual, o mesmo triste fenômeno: filhos matando pais ou então os tratando como se fossem inimigos. 
 
2. O trabalho para o Cristão
No começo da lição falamos que Deus deu três ordens para Adão e Eva, as quais chamamos de “mandatos”. Já discorremos sobre o mandato social, ou seja, a normas instituídas por Deus para que o ser humano se relacione com seus semelhantes.
Vejamos agora um segundo mandato, chamado de Mandato Cultural. Deus também deixou regras claras quanto à relação do ser humano com a natureza.
Deus, ao criar o primeiro casal, disse a ele de deveria sujeitar e dominar a Criação (Gn 1.28). Para tanto, foram postos em um jardim (Éden) para cultivá-lo e guarda-lo (Gn 2.5 e 15). É importante lembrarmos que o contexto em que se deu essa ordem foi o de um mundo perfeito no qual o pecado ainda não havia entrado. Todo trabalho, portanto, deveria ser norteado por esse tipo de prescrição divina e não pelos conceitos mundanos e pecaminosos.

C. Conciliando Família e Trabalho
O terceiro mandato instituído por Deus em Gênesis é o Mandato Espiritual, ou seja, Deus disse a Adão e Eva que era necessário que obedecessem em tudo a Deus senão morreriam: “E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gn 2.16-17). O Salmo 128 começa com a seguinte afirmação: “Bem-aventurado aquele que teme ao SENHOR e anda nos seus caminhos!” (Sl 128.1). Saber conciliar o lugar da família e o lugar do trabalho é uma questão de temor e obediência a Deus. Não é o mundo que vai ditar as normas de como você, cristão, deve trabalhar, mas as próprias leis de Deus. Por isso, se você diz que teme a Deus, precisa também entender quais são os objetivos do trabalho.
  1. Glorificar a Deus. Acima de tudo, o ato de trabalhar deve ser encarado como um meio de glorificar a Deus, pois assim diz a Bíblia: “ Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus.” (1 Co 10.31) Se não houver essa prioridade, o ser humano pode se matar de tanto trabalhar que, nas palavras do Salmo 127, será tudo em vão.
  2. Dignidade Própria. Por obedecer a Deus, o crente sente-se feliz com o fruto do seu trabalho: “Do trabalho de tuas mãos comerás, feliz serás, e tudo te irá bem.” (Sl 128.2) Ninguém se sentirá feliz construindo uma carreira profissional brilhante deixando para traz um lar destruído.
  3. Sustento Pessoal e Familiar. Devemos trabalhar para que haja o necessário dentro de casa. Um aparelho de DVD ou uma TV de 29’ não são o necessário. Mas o pão de cada dia e a presença dos pais junto aos filhos ou a união dos cônjuges é sem dúvida importante.

Conclusão
Os fins não justificam os meios. Se eu quero que meu trabalho seja instrumento de glória a Deus e benefício tanto pessoal bem como familiar, eu preciso fazer com que haja uma harmonia entre os fins e os meios. Certa vez, disse uma esposa: “abriria mão de tudo o que tenho de conforto e moraria de baixo de uma ponte se fosse preciso para ter meu marido mais tempo dentro de casa”. Descontando-se a emoção do momento, ela tem razão. O crente deve ter o trabalho como motivo de bênção e não segundo ditam as normas do mundo. O cristão deve sempre optar por ter uma vida mais simples dando tempo à família do que uma vida com conforto mas na prática, também sem família. Isso veremos na lição da próxima semana.



[1] Willian Hendriksen, Comentário do Novo testamento – Lucas, Vol 1. (São Paulo, Cultura Cristã, 2003), p. 571.
 
 http://revfernando.blogspot.com.br/2006/03/trabalho-e-famlia.html
 

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