Há alguns anos, minha família e eu estávamos em uma viagem à Guatemala.
Fomos lá visitar um homem que havia dedicado sua vida para servir em uma
pobre congregação. Sentados à mesa, ao lado daquele obreiro dedicado ao
árduo trabalho pastoral em uma nação com tantas dificuldades,
conversamos sobre como fazia para educar seus quatro filhos. Ainda
lidando com os desafios de criar nossos seis filhos, confessamos-lhe
nossas limitações e falhas nessa árdua tarefa. “Seus meninos já estão
grandes. O que o senhor aprendeu dos tempos em que eles ainda estavam na
infância?”. Tínhamos a expectativa de que poderia nos dar preciosos
conselhos. Mas ele não tinha nada a nos dizer. “Não sou a melhor pessoa
para dar esses conselhos”, retrucou. “Não me enquadro no tipo perfeito
de modelos parentais”. Um de seus filhos tinha problemas com vícios e
outro viu seu casamento ruir.
Em silêncio após um momento, balançando lentamente a cabeça, ele
continuou: “Eu também nunca supri as expectativas de minha mãe.
Recentemente, lendo seu diário, descobri que os planos que tinha para
mim não foram cumpridos, pois fiz escolhas diferentes das que ela
esperava que eu fizesse”. Com voz entristecida, emendou: “Acho que ela
me considera um fracassado”. Enquanto considerava que sua mãe também era
um fracasso, questionei algumas coisas importantes. Dificilmente estou
sozinha em minhas preocupações. Mais do que qualquer outra geração, os
pais de hoje em dia estão preocupados com a possibilidade de estragarem a
vida de seus filhos. Estudos feitos em 2006 mostram que pais e mães têm
índice de depressão maior do que aqueles que não têm filhos. O livro de
Judith Warner, Perfect Madness: Motherhood in an age of anxiety, capta a
obsessão nacional quanto ao sucesso dos pais na educação dos seus
filhos. O artigo de Joan Acocella na New Yorker, em novembro de 2008,
The Child Trap, mostra, numa crônica quase desrespeitosa, a busca pelo
sucesso de alguns que o autor qualifica como “pais até demais”.
A preocupação é tão grande que tem levado a uma enxurrada de lançamentos
editoriais sobre o tema. Confessions of a Slacker Mom; The Three
Martini Playdate: A Practical Guide to Happy Parenting; e Bad Mother: A
Chronicle of Mothernal Crimes, Minor Calamities, and Occasional Moments
of Grace. Nestes e em outros tantos livros populares, mulheres
apresentam as mais diversas razões pela negligência na árdua tarefa de
ser mãe. O que se percebe é que boa parte dos pais cristãos está na
linha de frente da luta pelo sucesso na educação dos filhos. Tendo minha
primeira experiência de maternidade enquanto ainda estava no meu
primeiro ano de faculdade, logo percebi que a maior preocupação de um
pai crente é a de que seus filhos abandonem a fé e deixem de servir a
Deus. Parece que muitos de nós não são bem sucedidos nesse quesito. A
saída de pessoas das igrejas nos Estados Unidos é muito grande, depois
que se tornam jovens adultos. Uma pesquisa do Grupo Barna mostrou que
61% das pessoas nesta faixa encontram-se desviados do Evangelho. Mais
recentemente, uma pesquisa intitulada LifeWay aprofundou a informação.
Segundo o estudo, sete em cada 10 jovens entre 18 e 30 anos, que
frequentavam igrejas protestantes na infância e adolescência, deixaram
de frequentá-las até a idade de 23 anos. Sem entrar no mérito de qual
pesquisa é mais precisa, um detalhe é claro – muitos dos jovens que
cresceram na igreja não estão mais entre os seus membros.
Se isso não é suficiente para deixar os pais em pânico, as conclusões de
outra pesquisa feita em 2008 pode assustá-los. Acerca dela, Sharon
Bagley, em artigo publicado na revista Newsweek e intitulado But I Did
Everything Right, mostra que, ao contrário da opinião de muitos experts,
a genética pode ter mais influência sobre os filhos do que algumas
práticas dos pais. Uma frase do texto é particularmente inquietante: “É
importante lembrar que pais têm apenas influência sobre a vida de seus
filhos”.
Esforço Nulo
A serem verdadeiros os dados dos estudos, diversas coisas deverão ser
questionadas, inclusive questões relacionadas à justiça. Afinal, todo o
esforço dos pais evangélicos para manter seus filhos nos caminhos do
Senhor – como admoestam as Escrituras no texto de Provérbios 22.6 –, a
fim de que mais tarde não se desviem deles, pode ser nulo diante de
algumas determinações genéticas. A reação imediata de indignação por
causa destas pesquisas, contudo, deve ser repensada. Ao invés de
confundir a verdade bíblica, esses estudos podem ajudar a Igreja e as
famílias a entender algumas questões que têm sido negligenciadas ou
distorcidas por décadas.
Não se pode negar que a ideia de que crianças nasçam como uma tábula
rasa ainda permanece, de alguma forma, em nossa cultura. John Rosemond,
psicólogo cristão de famílias e articulista, afirma que constantemente
ouve pais afirmando que se sentem culpados quando algo de errado
acontece com seus filhos. “Eles sentem isso porque acreditam na
existência de uma psicologia determinista. Isto é, que os pais são
capazes de determinar quem seus filhos são”, enfatiza o especialista.
Muitos pais e autores cristãos têm absorvido esse determinismo
espiritual – na verdade, uma absorção desse determinismo psicológico e
sua espiritualização, inclusive com a busca de versículos bíblicos que
deem base para tais argumentações. O resultado é uma versão cristã desse
mito cultural, algo como “técnicas parentais cristãs produzem filhos
tementes a Deus”. Provérbios 22.6 tem sido adotado como uma premissa
psicológica e teológica para tal tese, a despeito de haver uma grande
corrente hermenêutica que sustenta que os versos daquele livro bíblico
não são conselhos divinos, mas máximas proclamadas por homens como o rei
Salomão. Ele próprio, que teria escrito tal conselho, falhou na
exemplificação dessa suposta verdade, já que, ao longo da vida e na
velhice, abandonou os ensinos espirituais de seu pai, Davi.
A despeito de tudo isso, algumas técnicas têm sido desenvolvidas para
assegurar que os filhos de cristãos tenham o futuro que seus pais
desejam. Ao menos um desses programas – dizendo ter instruções corretas
de educação dos filhos nos caminhos do Senhor – vendeu milhões de
exemplares. Alguns dos autores mais conservadores estão tão convencidos
dos seus métodos e técnicas que chegam a fazer, naturalmente, analogias
do treinamento das crianças com objetos, como se o desenvolvimento
infantil pudesse ser equiparado com o crescimento de tomates, por
exemplo, ou com o adestramento de cães.
Ações X Frutos
Embora o peso da responsabilidade trazida por essa teoria possa
assustar, ela parece apresentar algumas vantagens. Uma delas é que é
muito mais fácil medir o sucesso dos pais na educação de seus filhos.
Basta examinar as evidências – a principal delas, o que acontece com os
nossos filhos. Um autor chegou ao ponto de escrever: “Se pais fazem algo
que parece ser bíblico, mas os frutos colhidos não são bons, eles
definitivamente não fizeram o que a Bíblia prescreve”. Podemos estar
certos disso, ele afirma, porque a Palavra de Deus nos apresenta tudo o
que precisamos fazer para que nossos filhos cresçam tementes a Deus –
nesta ótica, caso os princípios sejam corretamente aplicados, nenhum pai
ficará desapontado. Muitos cristãos acreditam nesta tese. “Observe e
aprenda com pais vencedores”, diz outro escritor cristão. “Pais
vencedores são aqueles que têm filhos ‘obedientes’, ‘conhecedores da
Palavra de Deus’, ‘respeitosos’ e ‘que vivem sua fé Cristo’, ele
escreve. “Devemos seguir o exemplo desses pais, e não o dos
fracassados”, sentencia.
Os exemplos bíblicos de campeões espirituais nos movem para uma direção
completamente diferente. A galeria de heróis da fé, registrada em
Hebreus 11, apresenta uma série de personagens que, através da fé,
“venceram reinos, praticaram justiça, alcançaram promessas, fecharam a
boca de leões, apagaram a força do fogo”. Crentes de tamanha fé que, diz
a Bíblia, deles o mundo não era digno. Esses gigantes espirituais foram
criados em lares que nada de extraordinário tinham, e alguns deles nem
foram bons exemplos de pais ou mães. Abraão, por exemplo, teve um filho
com a serva de sua mulher, Sara. Isaque e Rebeca tinham, abertamente,
suas respectivas predileções entre os irmãos Esaú e Jacó. Rebeca fez com
que seu filho mais novo cometesse algo terrível: roubasse a
primogenitura de Esaú, o primogênito. Jacó aprendeu muito bem o que sua
mãe lhe ensinou, e fez o mesmo com sua família, tendo declaradamente um
favorito dentre seus filhos. Moisés, por sua vez, teve a filha mais
nova, pagã, de faraó, como sua mãe adotiva. Já Jefté era filho de uma
prostituta, e matou sua única filha por causa de um terrível voto.
Muitos outros exemplos das Escrituras confundem nossas expectativas
parentais. Jônatas, o melhor amigo de Davi, foi um exemplo de homem
justo e leal, ao contrário de seu terrível pai, o rei Saul. Além disso, o
menino Josias, apontado como alguém que serviu ao Senhor “com todo o
seu coração, toda sua alma e toda sua força”, conforme II Reis 23.25,
tornou-se um rei justo no lugar de seu pai Amon, descrito no mesmo livro
como alguém que “fez o que era mau aos olhos do Senhor”. Pelos padrões
atuais, muitas dessas famílias seriam consideradas fracassadas, já que
nutriam em seu meio práticas pecaminosas como poligamia, prostituição,
inveja, ódio, predileção.
Determinismo espiritual –
Precisamos confessar, logo, que há uma grande falha em nosso
entendimento sobre a relação entre pais e filhos. Temos nos colocado
numa posição que está além da que ocupamos, além de termos posto Deus em
uma posição aquém à sua. Consequentemente, passamos a achar que temos
mais controle sobre as situações do que, na realidade, possuímos.
Inclusive, faz parte de nossa herança, como afirmou o psicólogo Harriet
Lerner ,achar que podemos resolver todos os problemas, inclusive aqueles
que estão além de nossas possibilidades. A raiz de boa parte de nosso
sofrimento como pais deve-se ao fato de crermos que temos controle total
sobre nossos filhos, quando na verdade não temos nem mesmo o controle
sobre nossas próprias vidas.
A atitude de julgarmos a nós mesmos pelos nossos filhos, e a nossos filhos por nós mesmos, tem uma série de implicações. Ela revela uma visão distorcida de formação espiritual. Sempre partimos do pressuposto de que filhos de cristãos, quer eles tenham professado sua fé em Cristo ou não, darão as mesmas demonstrações de maturidade espiritual que esperamos ver nos outros: amor, alegria, paz, paciência, bondade – para apresentar apenas uma lista inicial. Só que, quando abraçamos esse determinismo espiritual, a partir de categorias humanas de formação espiritual, acabamos por falhar em nossos julgamentos alheios. A pergunta que fazemos a nós mesmos precisa ser reformulada. Precisamos parar de perguntar se somos pais bem sucedidos, e começar a perguntar se somos pais fiéis. Fidelidade, acima de qualquer coisa, é o que Deus requer de nós. Parece, então, que temos feito as perguntas erradas como pais. Estamos tão preocupados conosco – com nosso sucesso, nossos interesses – que encaramos a tarefa de educação dos filhos como uma prova. O resultado, a partir desse sistema, tem mostrado que temos falhado, já que muitos dos nossos filhos abandonam a igreja depois que saem da nossa casa. Agora, vem a genética dizer que essa tarefa é mais rígida do que imaginamos.
Parece ser impossível sermos aprovados, como pais, nesse teste. Preocupados com isso, sempre encontraremos pais e filhos mais felizes, obedientes e crentes do que nós. E pais com maiores porcentagens de formação dos tais “campeões espirituais”. Se nos colocarmos em uma escala, vamos perceber que somos ainda mais falhos. Foi por essa razão que um Salvador nos foi apresentado e oferecido pela graça, mediante a fé – “E isso não vem de nós, mas de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.8,9). Se até mesmo nossa habilidade de confiar em Deus vem dele, porque achamos que podemos fazer qualquer outra coisa com base em nós mesmos? É preciso, antes, prostrarmo-nos diante do trono de Deus e clamarmos por sua ajuda para sermos bons pais.
Precisamos também repensar nosso chamado. Fomos convocados para
apresentar aos nossos filhos o caminho da verdade “assentados em nossa
casa, andando pelo caminho, deitando ou levantando” (Deuteronômio 6.7).
Somos ainda conclamados a não suscitarmos nossos filhos à ira, mas a os
criarmos “na doutrina e admoestação do Senhor”, conforme Efésios 6.4. É
fundamental, contudo, conhecer os próprios limites. Não seremos capazes
de formar perfeitos seguidores de Cristo, assim como nós não somos
perfeitos. Nosso trabalho não pode garantir nem comprar a salvação de
ninguém. Pais com filhos desviados, amigos com filhos nas prisões,
pesquisas genéticas e os heróis da fé nos fazem lembrar da mesma coisa: a
de que, mesmo crentes em Jesus, somos pais imperfeitos, nossos filhos
farão suas próprias escolhas e Deus conduzirá todas as coisas de forma
majestosa para o avanço do seu Reino.
Begley conclui com a seguinte frase: “É importante lembrar que pais têm
apenas influência sobre a vida de seus filhos”. As Escrituras nos
ensinam essa verdade – a de que só Deus é soberano sobre suas vidas.
Crianças não são laranjas a serem plantadas e colhidas, animais a serem
treinados ou números a serem equacionados. São seres humanos, feitos de
forma majestosa. A educação de filhos, como qualquer outra tarefa
debaixo do sol, exige amor, esforço, risco, perseverança e, acima de
tudo, fé. Trata-se de fé, e não de uma fórmula; de graça, e não
convicções próprias; de dedicação, e não sucesso. São essas coisas que
farão com que nossos esforços, debaixo da graça de Deus, levem nossos
filhos a crescer de forma saudável.
Autor: Leslie Leyland Fiela
http://www.estudosgospel.com.br/estudos/familia/o-mito-dos-pais-perfeitos.html
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