quinta-feira, 15 de maio de 2014

Jesus é de fato a Rosa de Sarom?




Por Rev. Ronaldo P. Mendes

Quem nunca ouviu falar que Jesus é a rosa de Sarom? Muitas pessoas escrevem livros baseados nessa afirmação. Mas será que se pode afirmar isso com base no livro de Cantares? Ou será que em outros textos bíblicos temos a afirmação desse título dado a Jesus? Não se pode interpretar o livro de cantares sem saber do  que se trata o livro.
Que mensagem o livro tem? Para que foi escrito? Salomão provavelmente escreveu esse cântico durante a primeira parte de seu reinado. Isso colocaria a data de composição por volta de 965 a.C. O livro é um poema lírico escrito para exaltar as virtudes do amor entre um marido e sua esposa. Esse livro apresenta a filosofia ou a maneira de viver do povo hebreu e de outros povos do Oriente Próximo.
Cantares celebra a dignidade e a pureza do amor humano. É uma série de poemas de amor, talvez usados num antigo casamento ou noivado. O livro nos encoraja a desfrutar nossa sexualidade corretamente. Ele apresenta o casamento como um plano de Deus. Um homem e uma mulher devem viver juntos dentro do contexto do casamento, amando um ao outro espiritualmente, emocionalmente e fisicamente.
Veja os ensinos básicos sobre amor e sexualidade que são apresentados em Cantares:
1) - O sexo é uma dádiva do Senhor que o criou; 2) - O envolvimento sexual deve ocorrer com maturidade e responsabilidade; 3) - A virgindade deve ser preservada até o casamento; 4) - O amor deve ser expresso; 5) - À semelhança de uma planta, o amor deve ser cultivado e regado; 6) - O amor verdadeiro inclui sexo, mas vai além dele; 7) - O amor, como Deus, é eterno. 
O casamento foi por Deus instituído (Gn 2.24), porque não um livro que instrua esse casal no amor? Seria isso errado? Claro que não! O pecado faz com que o homem fique sem norte quando se fala de amor. Então, Deus preparou um livro inteiro para explicar o amor entre um homem e uma mulher!
Alguns intérpretes da Bíblia veem em Cantares de Salomão uma exata representação simbólica de Cristo e Sua igreja. Embora haja texto muito convincente (ex: Cantares 4.7; Ef 5.27), não consigo ver dessa forma. O que Cantares nos apresenta, de fato, é o amor dentro do casamento, que o próprio Deus estabeleceu.
            
Vejamos as interpretações principais que surgiram:
1 - A alegorização judaica. O método alegórico é o mais antigo de todos. Segundo esta posição o livro estaria descrevendo em linguagem figurada a relação entre Yahweh e Israel.
2 - A alegorização da Igreja Primitiva. Seguindo o método alegórico a Igreja Primitiva (Orígenes e Hipólito) interpretou o livro como sendo uma descrição do amor de Cristo e a Igreja (ainda usada pela Igreja Católica Romana).
3 - O uso da alegorização no período moderno por alguns protestantes. Os dois heruditos em Antigo Testamento Hengstenberg (teólogo alemão 1802 à 1869) e Carl F.Keil (1807-1888) aplicam a interpretação alegórica neste livro.
            
Mas o livro não é uma alegoria. Ele não tem nada a ver com o amor de Deus por Israel ou o amor de Cristo pela Igreja – essas duas abordagens na verdade permitem que o leitor ignore o livro em si! O casamento deve ser construído sobre o Shalom de Yahweh.

Assim sendo, como podemos interpretar Cantares 2.1? Bom, primeiro vamos ver quem está falando: “Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales.” O contexto deste verso começa no capítulo 1. É um  diálogo entre um marido (o rei) e sua esposa (a Sulamita). O livro se divide em três seções: o namoro (1.1–3.5), o casamento (3.6–5.1) e a maturação do casamento (5.2–8.14).
A flor mencionada não é a flor atual, mas pode ser o açafrão ou narciso. Em Isaías possivelmente temos a citação a essa rosa: “O deserto e a terra se alegrarão; o ermo exultará e florescerá como o narciso. Florescerá abundantemente, jubilará de alegria e exultará; deu-se-lhes a glória do Líbano, o esplendor do Carmelo e de Sarom; eles verão a glória do SENHOR, o esplendor do nosso Deus.” (Is 35.1-2). Sarom (ou Sharom- significa “Planície”) é a planície entre o Mar Mediterrâneo a oeste e as colinas de Samaria. Ela se estende a partir de Haifa e do Monte Carmelo, no norte do Rio Yarkon no sul, na orla da cidade atual de Tel Aviv. Nos dias de Salomão era lugar de grande fertilidade.
O lírio entre os espinhos (Ct 2.3). Fala o esposo. Na sua humildade a esposa se considera apenas como um belo, mas humilde açafrão; ela se considera um lírio entre os espinhos. Assim como o lírio se sobressai entre os espinhos, assim ela se sobressai entre as outras virgens.
Jesus não é a rosa de Sarom! Vejamos alguns motivos:
Não se pode interpretar como alegorias textos que não são alegóricos. Cantares é Literatura de Sabedoria – gênero que apresenta a filosofia ou a maneira de viver do povo hebreu.
Em nenhum versículo do Novo Testamento Jesus se declarou como a Rosa de Sarom. Nem mesmo nenhum dos apóstolos disse isso. Paulo faz uma analogia: “Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela” (Ef 5.25). Mas isso não significa que esteja fazendo referência a Cantares 2.1.
Acredito que a dificuldade em aceitar a interpretação de que Cantares fala de amor verdadeiro e de sexo, é por causa da banalização do Sexo pelo homem pecador. Alguns podem pensar “imagina, Deus não fala de sexo!” Conta-se histórias de casais crentes que após fazerem sexo, oravam e pediam perdão a Deus pelo o que tinham feito. Um professor de Teologia disse-me algo um dia que nunca saiu da minha cabeça: “quando estou fazendo sexo com minha amada esposa, Deus é glorificado”. Parecia estranho, mas Deus estabeleceu o casamento para isso também: “Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher da tua mocidade, corça de amores e gazela graciosa. Saciem-te os seus seios em todo o tempo; e embriaga-te sempre com as suas carícias.” (Pv 5.18-19). Deus estabeleceu o Sexo quando estabeleceu o casamento (cf Gn 2.24). Portanto, o sexo estabelecido por Deus no casamento é bênção, e porque não a existência de um livro que celebre as delícias do sexo planejado por Deus? Sexo não é para procriação somente, é para ser desfrutado pelo casal que Deus uniu.
Temos vários títulos para o nosso Senhor Jesus, ele é a “Brilhante Estrela da manhã e a Raiz de Davi” (Ap. 22.16), pois ele declarou isso; o “Alfa e o Ômega” (Ap 1.8), “Emanuel” (Is 7.14; Mt 1.23); “O Cordeiro de Deus” (João 1.29; cf Is 53.7) e outros títulos. Mas não temos “Sarom”. Pois é uma expressão de amor entre um homem e mulher que se ama e que se entrega sexualmente um para o outro.
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