quarta-feira, 20 de abril de 2011

O QUE É CONFLITO CONJUGAL?

o que e o Conflito Conjugal

O conflito conjugal é todo o acto que põe em causa a comunalidade de um casal nas áreas física, espiritual, psicológica e social, sem o acordo e aceitação de ambas as partes.A comunalidade é um conceito básico para a resolução dos conflitos. Ela resulta do facto de que um enlace matrimonial reside na vontade que os membros do casal têm de viver uma vida comum. Para que tal aconteça, existe um compromissos que devem ser conseguidos e garantidos na fase de preparação para o casamento, evitando assim o surgimento posterior de divergências nessa comunalidade.
QUADRO A: O QUE DEVE SER E NÃO DEVE SER DITO RELMENTE AOS CONFLITOS
O QUE DEVE SER DITO
O QUE NÃO DEVE SER DITO
O conflito faz parte da vida, mesmo da vida das famílias felizes
Uma pessoa equilibrada não entra em conflito com ninguém
O conflito não é necessariamente negativo, ele deve ser encarado de frente e pode ajudar a crescer e a aumentar a união do casalO conflito é uma coisa a evitar sempre
O conflito é consequência de uma perda de comunalidade e por isso ele exige um processo de negociação para recuperar o centramento do casal nos seus interesses comunsNão há nada a fazer, senão separarmo-nos

Nem todos os conflitos são iguais. É possível caracterizar os conflitos de modo tricotómico: existem os conflitos agudo-catastróficos (consequência de crises ou acontecimentos stressantes que afectam o casal com uma premência que exige uma resposta imediata); conflitos crónicos (resultante de condições stressantes cíclicas); conflitos endémicos (caracterizados por uma condição de mudanças abundantes e constantes, solicitações, ameaças ou privações, usualmente de pouco impacto, mas acompanhando os acontecimentos do dia-a-dia).Enfatizando as diversas origens do conflito nos factos de ordem económica, social, físico-ambiental, psicológica, sexual ou fisiológica (entre outras), é importante ter em conta o seu potencial cumulativo e o impacto consequente, reflectindo-se em alterações do comportamento insuspeitáveis.
O conflito como factor patogénico da vida familiar    Podemos olhar para o conflito de duas maneiras: de modo patogénico ou salutogénico. Para muitos, o conflito é uma doença crónica que se agarra à vida familiar (assumindo contornos patológicos, doentios) e pensam mesmo que só poderão livrar-se dele com a ruptura do casal. Esta situação, no entanto, é evitável.

CARACTERIZAÇÃO DO TIPO DE CONFLITO
– Qualquer conflito começa por ser um conflito latente. Uma inconsistência, uma falta de comunalidade, que ainda se situa no foro íntimo, é o primeiro passo do desenvolvimento do conflito. Aqui existem várias possibilidades para se lidar com a situação: pode-se negá-la, fazer de conta que não é nada de importante e esperar esquecer o ocorrido. Embora esta seja a estratégia que muitos utilizam, esta maneira de lidar com os conflitos pode levar ao recalcamento, facilitando assim uma complexa situação no futuro, na qual os afectos podem ficar comprometidos pela situação de “negação” do conflito.Qualquer situação de desconforto deve ser avaliada no seu potencial de perigosidade sobre uma relação. Uma falta de comunalidade sobre um aspecto da vida a dois pode passar pela adaptação, e assim evitar-se o conflito. No entanto, pode também passar pela transposição dessa situação latente, para uma situação de conflito emergente.O conflito latente é caracterizado por forças implícitas que não foram reveladas de forma clara e plena, e não chegaram ainda a um conflito extremo. Exemplos de conflitos latentes são as mudanças nos relacionamentos pessoais em que uma das partes não tem consciência da seriedade do conflito ocorrido na outra parte.Neste tipo de conflitos, a transparência pode ajudar os participantes a identificarem as mudanças ou os problemas que preocupam e podem pôr em causa o futuro. Esta transparência permite um processo de educação mútua em volta das questões e dos interesses envolvidos. (ex.: leitura de livros pelo casal, seguida de reflexão conjunta, ajuda a revelar assuntos que estão implicitamente perturbando a comunalidade do casal).
 Conflitos emergentes, são conflitos em que as posições das partes estão identificadas. Certas situações que causam desconforto não são recalcadas ou mantidas na indiferença. É bom identificá-las e exprimir junto do outro o seu impacto, enquanto elas perturbam. Seguidamente, devem ser negociadas, de modo a evitar que conflitos emergentes se transformem em conflitos manifestos.Num conflito emergente, é reconhecido que alguma coisa causa desconforto, algumas questões estão claras, no entanto não ocorreu nenhuma negociação cooperativa viável ou um processo de resolução dos problemas. Estes conflitos têm um potencial para crescer se um procedimento de resolução não for encontrado e implementado. Neste caso, um processo de negociação auxilia as partes para que comecem a comunicar e a chegar a acordos.
– Uma união na base de comunalidades identificadas como suficientemente fortes para levar duas pessoas a juntarem as suas vidas, pode ser perturbada gravemente por conflitos manifestos. Neste caso, a aceitação explícita de que existe uma situação de conflito em que as partes estão envolvidas numa disputa activa e contínua põe em causa a felicidade do casal. Talvez o casal tenha começado a negociar, mas chegou a um ponto de bloqueio. As feridas estão abertas e por vezes extravasa para fora de portas a gravidade da situação de conflito.

Os acontecimentos que fogem ao banal e são típicos de condições extremas estão muitas vezes associados ao stresse que origina o conflito. Será útil lembrar aqui Peralim e Schooler ao observarem que não são os problemas fora do vulgar que acontecem raramente, problemas difíceis, que causam maior traumatismo, mas antes as pressões persistentes do meio no contexto das actividades banais (Peralim, 1978, p.3).Tendo isto em conta, deve ter-se em particular atenção aquilo que não parece merecer grande atenção inicialmente, mas que, sendo um factor persistente numa relação, provoca um desgaste que pode levar ao desenvolvimento de um conflito.

O conflito como factor salutogénico da vida familiar     Existe, no entanto, um outro modo de olhar para o conflito, que designamos por perspectiva salutogénica.Todas as pessoas e casais, mesmo com uma vida desafogada e com ambientes optimizados, são expostas a stressores e ao conflito. A pergunta que se impõe é a da compreensão que sustenta a sobrevivência do casal. Esta inquirição leva-nos, então, a olhar para o conflito como algo que pertence à história de vida de qualquer pessoa ou casal, mas que pode ser mediadopor recursos generalizados de resistência, permitindo assim a sua resolução, não pondo em causa a sua felicidade. Isto é, existem recursos ao nosso alcance que nos permitem, numa situação de conflito, encontrar a força para superá-lo com dignidade e confiança no futuro.Assim, devem-se procurar as origens da saúde familiar, do bem-estar. Em vez do casal olhar para o conflito e concentrar nele a sua atenção, deveria procurar os elementos que existem na sua experiência a dois que são fonte de solução desse conflito. Esta é uma abordagem salutogénica (do latim: salus = saúde; e do grego: genesis = origem), uma abordagem positiva na busca das origens da saúde familiar (Antonovsky, 1979, adaptado).
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A dimensão da vida familiar na qual ocorre o conflito     Além de ser importante saber em que fase se encontra determinado conflito, é fundamental perceber em que dimensão da vida familiar ele ocorre. O conceito de saúde familiar aqui apresentado identifica quatro dimensões através das quais ela se realiza (física, espiritual, psicológica e social). A ideia fundamental subjacente é a salutogénese, que resume a busca dos factores básicos da saúde e felicidade familiares (no lugar de concentrar a atenção na doença, no conflito). Por outras palavras, antes de constatar o pathos (o conflito) e estar doente, posso prevenir a doença e melhorar a minha funcionalidade, o meu bem-estar familiar. Quando se instala o conflito entre duas pessoas, um dos aspectos mais preocupantes que se declaram, é o facto de que certas áreas da vida familiar deixam de funcionar (a vida espiritual, a vida sexual, os momentos de lazer em família, etc.).
Este modelo para a resolução de conflitos – o modelo salutogénico – baseia-se na procura dos recursos que beneficiam a saúde, fortalecem e permitem ao casal, em cada etapa da sua vida, desenvolver um máximo de satisfação matrimonial. Este modelo coloca em evidência as predisposições dos membros do casal (tais como factores hereditários, sociais, etc.) que, associadas aos recursos gerais de resistência ao conflito familiar (recursos físicos, psicológicos, sociais e espirituais), são responsáveis pela regulação face às perturbações que podem levar os membros de um casal à situação de crise familiar.Assim, os conflitos podem desenvolver-se em cada uma das quatro áreas mencionadas.
conflito conjugal




Figura: A Saúde familiar como um espaço de convergência de várias dimensões num contínuo disfuncionalidade (conflito)-funcionalidade máxima (comunalidade total). Fonte: Adaptado, Luís Nunes, Compreender o Cidadão, Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol 16, nº 4 1998, 4, 25.
Conflitos de ordem física     Os conflitos físicos podem ser de variada ordem: sexual, simbólica, desempenho, etc..Para resolver os conflitos de ordem física, deve ter-se em conta recursos físicos. Considere-se como exemplos, a actividade física ou uma boa alimentação. Se se desenvolverem estes recursos, tonifica-se o corpo e a doença (o conflito) pode ser evitado. Mas mesmo que se venha a ser vítima da doença, um corpo fortificado com exercício e bem alimentado estará mais apto a combatê-la com sucesso.
Conflitos de ordem psicológica     Os conflitos de ordem psicológica interagem com a estrutura mental que cada membro do casal desenvolve. Para resolver estes conflitos, são necessários recursos psicológicos, pois serão os elementos que podem fortalecer a psique familiar, isto é, que estruturam o casal como unidade única, de um valor inigualável. Podemos apresentar vários exemplos que intervêm na saúde psicológica familiar, tais como a auto-estima, o auto conceito, o optimismo, etc.. Estes recursos podem ser desenvolvidos de modo a aumentar a funcionalidade e vitalidade da vida familiar. Uma pessoa que desenvolva uma visão optimista da vida manifestará uma energia contagiante afastando o pathos, “o conflito”, da sua vida. Há vários milhares de anos, o sábio Salomão equacionava este princípio salutogénico num dos seus memoráveis provérbios: saúde para os ossos é o coração alegre! Pr. 17:22. O caso dos temperamentos é um exemplo disto mesmo, como seguidamente iremos considerar.
Conflitos de ordem social     Na vida de um casal surgem, amiúde, conflitos de ordem social. As relações com os amigos que o casal tinha antes de se unir, as relações com os sogros/pais, as relações e compromissos laborais, podem ser fontes imprevisíveis de perturbações profundas na vida do casal. Por isso, o terceiro tipo de recursos que estão ao nosso dispor e que implicam na manutenção ou melhoramento da saúde familiar são os factores sociais – fundamentais para se ter uma vida de qualidade. O seu desenvolvimento depende de boas amizades, boas relações com colegas e responsáveis no trabalho, a frequência de um clube ou pertença a uma organização (por exemplo de apoio voluntário num hospital) são promotores de saúde e são factores salutogénicos de insuspeitável benefício. Um dos problemas que implica tanta falta de saúde – o isolamento – muitas vezes tem a sua origem no egoísmo e individualismo da sociedade actual, marcada pela ambição, espezinhamento dos seus pares e de competição desenfreada. Aqui se potencia muito sofrimento e muita falta de saúde familiar evitáveis.
Conflitos de ordem espiritual     Muitos casais vivem vidas de grande insatisfação devido a uma conflitualidade espiritual manifesta. Os conflitos espirituais são aqueles que mais sangue fizeram correr ao longo da História. Hoje, eles assumem um contorno diferente na alegada sociedade pós-moderna, de respeito por todos os valores e posicionamentos espirituais. Só que esta não é toda a verdade. Por isso, uma quarta categoria do modelo salutogénico são os recursos espirituais que podem auxiliar na resolução de conflitos. Negar estes valores espirituais, não resolver as grandes questões da vida, deixar de estruturar a existência em função de um código de valores, trará o conflito e infelicidade.Compreender a saúde familiar nesta dinâmica não só garantirá uma vida de maior e melhor qualidade como ainda uma saúde menos afectada pelo pathos. É por isso essencial, que o casal defina claramente antes de casar, qual é a sua comunalidade no âmbito espiritual.
Luís Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde Mestre em Saúde Pública

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