Por Albert Mohler
A efetiva separação entre sexo e procriação talvez seja uma das mais
importantes marcas definidoras da nossa era. E uma das mais deploráveis.
Esta percepção está se alastrando entre os evangélicos americanos e
promete provocar uma verdadeira explosão.
A maioria dos protestantes evangélicos recebeu o advento das modernas
tecnologias de controle de natalidade com aplausos e alívio.
Desprovidos de qualquer teologia significativa do matrimônio, sexo ou
família, evangélicos deram as boas-vindas ao desenvolvimento da "pílula"
da mesma forma que o mundo celebrou a descoberta da penicilina - como
mais um marco na inevitável marcha do progresso humano e da conquista da
natureza.
Ao mesmo tempo, os evangélicos superaram a sua tradicional reticência
em assuntos ligados à sexualidade e produziram uma indústria crescente
em livros, seminários e até mesmo séries de sermões que celebram o
êxtase sexual como um das bênçãos de Deus para os cristãos casados.
Outrora relutantes em admitir até mesmo a existência da sexualidade,
evangélicos emergiram dos anos sessenta prontos para compartilhar o
último conselho sexual sem ruborizar-se. Como um dos mais vendidos
manuais evangélicos de sexo proclama: "Sexo conjugal foi planejado para o
prazer". Muitos evangélicos parecem ter esquecido que ele foi planejado
para outra coisa também.
Para muitos cristãos evangélicos, controle de natalidade é um assunto
de preocupação somente para católicos. Quando o Papa Paulo VI publicou a
sua famosa encíclica considerando errado o controle de natalidade
artificial, Humanae Vitae, a maioria dos evangélicos respondeu
com descaso, talvez agradecidos porque evangélicos não têm nenhum papa
que pudesse proclamar um edito semelhante. Casais evangélicos
tornaram-se dedicados usuários das tecnologias de controle de natalidade
indo desde a Pílula até métodos de bloqueio e Dispositivos
Intra-uterinos [DIU]. Tudo isso está mudando e uma nova geração de
casais evangélicos está fazendo novas perguntas.
Um número crescente de evangélicos está repensando o assunto
"controle de natalidade", e encarando as duras perguntas propostas pelas
tecnologias reprodutivas. Vários desenvolvimentos contribuíram para
esta reconsideração, mas o mais importante deles é a revolução do
aborto. A primeira resposta evangélica ao aborto legalizado foi
lamentavelmente inadequada. Algumas das maiores denominações evangélicas
aceitaram, em princípio, pelo menos alguma versão de aborto a pedido.
A consciência evangélica foi despertada no fim da década de setenta,
quando a realidade homicida do aborto não podia mais ser negada. Um
forte rearranjo da convicção evangélica ficou evidente na eleição
presidencial de 1980, quando o aborto funcionou como estopim para uma
explosão política. Protestantes conservadores emergiram como importantes
personagens no movimento pró-vida, enquanto se levantavam lado a lado
com os católicos em defesa dos ainda não-nascidos.
A realidade do aborto forçou, por sua vez, uma reconsideração de
outros assuntos. Ao afirmar que a vida humana deve ser reconhecida e
protegida desde o momento da concepção, os evangélicos crescentemente
reconheceram os Dispositivos Intra-uterinos [DIU] como abortivos e
rejeitaram qualquer controle de natalidade com qualquer objetivo ou
resultado abortivo. Essa convicção está lançando agora uma nuvem de
dúvida sobre a pílula também.
Dessa forma, em uma virada irônica, os evangélicos americanos estão
repensando o controle de natalidade até mesmo em um momento em que a
maioria dos católicos romanos da nação demonstram uma rejeição ao ensino
da igreja deles. Como os evangélicos deveriam pensar sobre a questão do
controle de natalidade?
Primeiro, devemos começar com uma rejeição da mentalidade
anticoncepcional que vê gravidez e filhos como imposições a serem
evitadas em vez de presentes a serem recebidos, amados e nutridos. Essa
mentalidade anticoncepcional é um insidioso ataque à glória de Deus na
criação e ao dom da procriação dado pelo Criador ao casal casado.
Segundo, precisamos afirmar que Deus nos deu o dom do sexo
para vários propósitos específicos e um desses propósitos é a
procriação. O matrimônio representa uma perfeita rede de presentes
divinos, incluindo prazer sexual, vínculo emocional, apoio mútuo,
procriação e paternidade. Nós não devemos desconectar estes "bens" do
matrimônio e escolher somente aqueles que desejamos para nós mesmos.
Todo casamento deve estar aberto à dádiva de filhos. Até mesmo onde a
habilidade de conceber e dar à luz filhos porventura esteja ausente, o
desejo de ter filhos deve estar presente. Buscar prazer sexual sem
abertura a ter filhos é violar uma responsabilidade sagrada.
Terceiro, nós deveríamos olhar de perto para o argumento moral católico da forma como se acha em Humanae Vitae.
Os evangélicos ver-se-ão em surpreendente acordo com muito do argumento
da encíclica. Como advertiu o Papa, o uso difundido da pílula levou a
"sérias conseqüências" que incluem infidelidade matrimonial e
imoralidade sexual desenfreada. Na realidade, a pílula permitiu um quase
total abandono da moralidade sexual cristã na cultura em geral. Quando o
ato sexual foi separado da probabilidade de gravidez, a estrutura
tradicional de moralidade sexual desmoronou.
Para a maioria dos evangélicos, o principal rompimento com o ensino
católico está na insistência de que "é necessário que cada ato conjugal
permaneça ordenado em si mesmo para a procriação da vida humana". Ou
seja, que todo ato conjugal deve estar completa e igualmente aberto à
dádiva de filhos. Isso é ir longe demais, e coloca importância desmedida
em relações sexuais individuais, em lugar da integridade mais
abrangente do laço conjugal.
O foco em "cada ato conjugal" dentro de um matrimônio fiel que está
aberto à dádiva de filhos vai além da exigência bíblica. Considerando
que a encíclica não rejeita todo e qualquer planejamento familiar, este
foco requer a distinção entre métodos "naturais" e "artificiais" de
controle de natalidade. Para a mente evangélica, esta é uma distinção
bastante estranha e artificial. Olhar para a posição católica ajuda, mas
os evangélicos também têm que pensar por si mesmos, raciocinando a
partir das Escrituras em uma cuidadosa consideração.
Quarto, casais cristãos não são ordenados pela Bíblia a
maximizar o número de filhos que poderiam ser concebidos. Dado nosso
estado geral de saúde em sociedades avançadas, um casal que se casa com
vinte e poucos anos e tem uma vida sexual saudável e regular poderia
produzir tranqüilamente mais de quinze descendentes antes da esposa
chegar aos quarenta e poucos anos. Tais famílias deveriam ser
corretamente honradas, mas este nível de reprodução certamente não é
ordenado pela Bíblia.
Quinto, com tudo isso em vista, casais evangélicos podem, às
vezes, escolher usar contraceptivos para que possam planejar suas
famílias e desfrutar dos prazeres do leito matrimonial. O casal deve
considerar todos estes assuntos com cuidado e deve verdadeiramente estar
aberto à dádiva de filhos. A justificativa moral para usar
contraceptivos deve estar clara na mente do casal e ser completamente
consistente com o seu compromisso cristão.
Sexto, casais cristãos têm que assegurar-se de que os métodos
escolhidos são realmente anticoncepcionais em seus efeitos, e não
abortivos. Nem todo o controle de natalidade é contraceptivo, já que
algumas tecnologias e métodos não impedem o espermatozóide de fertilizar
o óvulo, mas impedem o ovo fertilizado de implantar-se com sucesso na
parede do útero. Tais métodos não envolvem nada menos que um aborto
extremamente prematuro. Isto é verdade a respeito de todos os DIU e de
algumas tecnologias hormonais. Atualmente tem havido um debate acirrado
quanto ao fato de pelo menos algumas formas da pílula também poderem
atuar através de um efeito abortivo, em lugar de prevenir a ovulação.
Casais cristãos precisam exercer a devida cautela para escolherem uma
forma de controle de natalidade que é inquestionavelmente
anticoncepcional, em lugar de abortiva.
A revolução do controle de natalidade literalmente mudou o mundo. Os
casais de hoje raramente param para pensar no fato de que a
disponibilidade de anticoncepcionais efetivos é um fenômeno muito
recente na história mundial. Esta revolução provocou uma explosão de
promiscuidade sexual e muita miséria humana. Ao mesmo tempo, também
ofereceu aos casais pensantes e cuidadosos uma oportunidade de desfrutar
a alegria e satisfação do ato conjugal sem estar o tempo todo
igualmente aberto à gravidez.
Portanto, os cristãos podem fazer uso cuidadoso e apropriado dessas
tecnologias, mas nunca devem se deixar levar pela mentalidade
contraceptiva. Nós nunca podemos olhar para os filhos como um problema a
ser evitado, mas sempre como um presente a ser recebido com alegria.
Para os evangélicos, muito trabalho precisa ser feito. Nós precisamos
construir e cultivar uma nova tradição de teologia moral, extraída das
Escrituras Sagradas e enriquecida pela herança teológica da igreja. Até
que o façamos, muitos casais evangélicos não vão nem mesmo saber onde
começar o processo de pensar a respeito de controle de natalidade em um
contexto totalmente cristão. Já está na hora dos evangélicos responderem
a esse chamado.
http://www.hermeneuticaparticular.com/2013/05/cristaos-podem-usar-controle-de.html
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