Uma vez pesquisei no Google a palavra “intimidade” e descobri que 99% das imagens tinham cunho sexual. Em nosso mundo ocidental atual, a intimidade é equivalente ao sexo. Você quer experimentar intimidade? Precisa fazer sexo. Os dois são quase sempre inseparáveis em nossas mentes.
Ilustramos esse fato em nossa
interpretação instintiva de apenas um versículo da Bíblia. Ele registra
parte de um lamento que o rei Davi do Antigo Testamento compôs ao ouvir
sobre a morte de seu melhor amigo, o filho do rei Saul, Jônatas. E ele
contém essas palavras comoventes:
Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; tu eras amabilíssimo para comigo! Excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres (2 Samuel 1.26).
Hoje parece impossível para alguém ler
essa canção sem pensar que Davi e Jônatas devem ter desfrutado de uma
relação sexual. Você não se percebeu rapidamente pensando em algo
homoerótico sobre eles? Usando esse versículo, alguns já reivindicaram a
aprovação bíblica de relacionamentos homossexuais — tudo porque Davi
diz que o amor de Jônatas por ele era melhor do que o de uma mulher.
Simplesmente não conseguimos nos conter.
Mas, e quanto à teoria mais plausível de
que a amizade simples de Jônatas era mais preciosa para Davi do que
suas relações complicadas com as mulheres? (1 Samuel 25.42-44 lista três
esposas nesta fase da vida de Davi). Por que não é possível que ele
tenha apreciado a intimidade não sexual de sua amizade com Jônatas
(também um homem casado) mais do que a intimidade sexual de suas
relações com Abigail, Ainoã e Mical? Por que não concluir que ele não
está dizendo que Jônatas era melhor na cama do que as suas esposas — mas
que a amizade de Jônatas era melhor do que qualquer coisa que Davi fez
na cama com suas esposas?
Infelizmente, não conseguimos conceber
essa possibilidade hoje. Tal intimidade deve significar sexo. Nossas
vidas sexuais devem ser as melhores coisas sobre nossas vidas. Porém,
acho que isso nos informa mais sobre nossos relacionamentos hoje do que
sobre a relação de Davi e Jônatas no passado. Vivemos em uma sociedade
cujo único caminho para a verdadeira intimidade se tornou o prazer do
sexo.
E as consequências para alguém como eu
parecem ser muito trágicas: nenhum relacionamento íntimo porque estou
dizendo não ao sexo. Assim, minha vida será solitária sem o tipo de
relacionamentos que qualquer ser humano precisa para sobreviver, e
quanto mais florescer. Não é de admirar que muitos pensem que a vida
celibatária que escolhi não é plausível — que vou definhar lentamente,
ou (de preferência) desistir disso em breve.
A intimidade é importante
Os seres humanos necessitam de
intimidade. Sem isso, morremos por dentro — ainda que continuemos a nos
movimentar exteriormente. O próprio Deus fala de modo claro sobre essa
necessidade (Gênesis 2.18). Kate Wharton aborda essa questão de forma
proveitosa:
Uma vez que Deus declarou que não era
“bom” que Adão estivesse só, os seres humanos têm vivido uns com os
outros, compartilhando a vida juntos. Necessito de outras pessoas na
minha vida. Preciso delas para desabafar após um dia ruim; preciso que
elas trabalhem ao meu lado no ministério; preciso que elas compartilhem
uma garrafa de vinho comigo enquanto conversamos; preciso que elas
apontem as partes do meu caráter que precisam ser trabalhadas; preciso
que elas comemorem comigo quando coisas boas acontecem; preciso passar
os meus dias de folga e feriados com elas; preciso delas para me darem
um abraço e me dizerem que tudo ficará bem.
Necessito de intimidade de todas essas
maneiras. Então, necessito estar em uma relação sexual íntima, ter
“alguém especial”. Esse parece ser o argumento que Kate está fazendo.
Mas não é. Ela é uma mulher solteira (não é atraída por pessoas do mesmo
sexo — apenas para registro) que está falando sobre a necessidade dada
por Deus de que todos vivamos nossas vidas em comunidade. Ela está
afirmando o que é muito ignorado: que a resposta de Deus ao problema da
solidão humana não é apenas a intimidade sexual do casamento, mas tudo o
que o primeiro casamento tornou possível. Desse casamento surgiram mais
pessoas e a possibilidade da vida em comunidade. Ao negar-me uma
parceira sexual, Deus não está me negando relacionamentos íntimos — ele
os fornece de inúmeras outras maneiras.
Então, surpreendentemente, não sinto que
é Deus quem me impede de ter relacionamentos íntimos. Antes, muitas
vezes eles são negados a mim por causa da nossa sociedade e cultura
sexualizadas. O mundo em que vivemos não consegue lidar com
relacionamentos íntimos que não são sexuais; não faz sentido; não é
possível. Então, tive que me afastar do aprofundamento de amizades com
homens e mulheres por medo de que essas amizades fossem vistas como
inapropriadas. Nenhuma delas era — mas a suposta impossibilidade de
intimidade não sexual implicou que nos sentimos sob pressão de
terminá-las. O que às vezes foi muito difícil.
Mas o que tem sido mais difícil é como a
igreja frequentemente desencoraja a intimidade não-sexual também. Nossa
resposta à revolução sexual que está acontecendo fora de nossas portas
tem sido tristemente apenas promover a intimidade sexual no contexto do
casamento cristão. E encorajar as pessoas a mantê-la no contexto do
casamento, prometendo que essa relação suprirá toda a intimidade que
eles sempre desejaram. O jornalista Andrew Sullivan fala sobre isso:
As igrejas cristãs, que já… sustentaram a
virtude da amizade como igual ao benefício do amor conjugal, são os
propagandistas principais e obsessivos da nossa cultura para a unidade
conjugal e sua capacidade de resolver todos os males humanos e
satisfazer todas as necessidades humanas.
Gostaria de dizer que isso não é
verdade. Mas é! Se nossas igrejas dedicassem tanto tempo e energia para
promover boas amizades quanto dedicam em prol de bons casamentos, a vida
seria muito mais fácil para pessoas como eu. E, curiosamente, muito
melhor para todos os outros. Sullivan continua a apontar uma
consequência trágica dessa idolatria cristã do casamento:
Famílias e casamentos falham muitas
vezes porque estão tentando responder a muitas necessidades humanas. É
requerido que um cônjuge seja um amante, um amigo, uma mãe, um pai, uma
alma gêmea, um colega de trabalho, e assim por diante. Poucas pessoas
podem ser todas essas coisas para uma pessoa. E quando as demandas são
muito elevadas, a decepção só pode ser grande também. Se os maridos e as
esposas têm amizades mais profundas e fortes fora da unidade conjugal, o
casamento tem mais espaço para respirar e menos encargos para suportar.
Precisamos ler a totalidade de nossas
Bíblias novamente. Nelas, continuaremos encontrando passagens que nos
ordenam a promover e proteger o casamento (apenas no livro de
Provérbios: capítulos 5; 7; 21.9), mas igualmente continuaremos
descobrindo (talvez pela primeira vez) um número surpreendente de
passagens que nos ordenam a promover e proteger amizades também
(Provérbios 17.17; 18.24; 27.5-6, 9-10). Precisamos começar a fazer os
dois — não só para que pessoas como eu sobrevivam e se desenvolvam, mas
para que nossos casamentos e famílias sobrevivam e se desenvolvam
também.
Amizades íntimas
E isso só acontecerá se visarmos a
intimidade nas amizades, bem como no casamento. Amizades íntimas são o
que torna a minha vida possível hoje. Tenho uma série de relacionamentos
com pessoas que me conhecem muito bem. Elas sabem a maioria das coisas
sobre mim: o bom, o ruim e o feio. E elas me amam e se importam comigo,
apesar desse conhecimento, e retribuo a bondade, apesar do conhecimento
semelhante que tenho sobre elas.
Phil e Caroline são dois amigos
solteiros com quem bebo gin e champanhe — embora não ao mesmo tempo!
Eles riem comigo e de mim (uma excelente combinação) e são as duas
pessoas com quem mais gosto de passar o tempo. Passo as férias com eles
todos os anos, junto com um grupo de amigos com quem temos compartilhado
nossas vidas por uma década ou mais. Isso é algo belo.
Para citar outro exemplo, deixe-me falar
sobre minha amizade com Julian, Mark, Matthew e Neil. Conhecemo-nos em
uma faculdade bíblica. Sempre sentamos juntos na mesma parte da sala de
aula. Aos poucos, nos conhecemos. Após uma conversa assustadora sobre
todas as maneiras pelas quais poderíamos naufragar em nossas vidas e
ministérios, formamos um grupo de prestação de contas com o objetivo de
ajudarmos uns aos outros a seguirmos pelo caminho estreito de Jesus.
Antes dessa conversa, nos conhecíamos muito superficialmente — treze
anos depois, nos conhecemos muito bem.
E isso tem significado nos conhecermos
intimamente, compartilhando intencionalmente os detalhes de nossas vidas
que preferiríamos manter em segredo, mas que realmente se beneficiaram
de virem à luz em uma boa companhia cristã. Primeiramente, fui franco e
honesto sobre minha sexualidade com esse grupo de amigos. Eles têm um
bom histórico de serem pessoas confiáveis com as quais você poderia
compartilhar coisas difíceis, principalmente compartilhando as coisas
difíceis que eles mesmos estavam passando. Intimidade gera intimidade —
apenas ser franco e honesto com outros seres humanos encoraja todos a
prosseguirem em compartilhar e cuidar. Eles são, como resultado, as
pessoas que Deus mais usou para me manter seguindo como cristão. Não
poderia ser mais grato a Deus por eles.
Por outro lado, é interessante notar que
o psicólogo cristão William Struthers vê esse tipo de intimidade
masculina piedosa como a principal resposta à atual epidemia de
dependência da pornografia entre os membros da igreja do sexo masculino.
A sua teoria é persuasiva:
Os mitos sobre a masculinidade em nossa
cultura isolaram os homens uns dos outros e prejudicaram a sua
capacidade de honrar e abençoar uns aos outros. Muitos homens têm poucos
amigos íntimos. Suas amizades são tão profundas quanto as coisas que
eles fazem juntos. Ao encontrar amigos do sexo masculino com quem se
aprofundar, a necessidade de intimidade pode ser suprida de maneiras
não-sexuais com esses amigos do sexo masculino. Quando isso acontece, a
intensidade da necessidade de intimidade não é canalizada através de
relações sexuais com uma mulher; ela pode ser distribuída em muitos
relacionamentos. A intimidade sexual pode ser experimentada com uma
mulher, mas a intimidade também pode ser vivida com outros. Nem toda
intimidade é genital, então não se sinta restrito em seus
relacionamentos com seus irmãos em Cristo.
Seu argumento é interessante: nossos
impulsos sexuais não são apenas diminuídos pela intimidade sexual; eles
podem ser satisfeitos com a intimidade não-sexual, por meio da amizade
também.
Minha experiência pessoal é que o poder
da tentação sexual diminui à medida em que passo mais tempo com amigos
com quem não sou íntimo de modo sexual. Isso pode parecer estranho, mas
acho que prova o fato de que a verdadeira intimidade não é encontrada
apenas no sexo, mas também nas amizades, então não tenho que viver a
vida sem essa intimidade apenas porque não estou fazendo sexo. Para mim,
isso tem envolvido garantir de modo intencional que as minhas amizades
com membros de ambos os sexos sejam cada vez mais apropriadamente
íntimas. Para outras pessoas, que têm atração homossexual, sei que a
intimidade em amizades com pessoas de seu mesmo sexo pode conduzir a
mais tentação sexual, porém com honestidade e responsabilidade
presentes, não há necessidade dessas amizades serem completamente
evitadas.
Então, você quer fazer sua própria parte
para enfrentar o problema da plausibilidade? Empenhe-se em tornar as
suas amizades mais íntimas. Arrisco um palpite de que isso será um
desafio. Estamos bastante acostumados a permanecer muito superficiais
(especialmente se somos homens). O conselheiro bíblico Paul David Tripp é
precisamente correto quando escreve:
Vivemos em redes entrelaçadas de
relacionamentos extremamente casuais. Vivemos com a ilusão de que nos
conhecemos, mas não é assim na realidade. Chamamos de “comunhão” as
nossas conversas descontraídas, autoprotetoras e muitas vezes
teologicamente superficiais, mas essas conversas raramente atingem o
limiar da verdadeira comunhão. Conhecemos detalhes demográficos e
indiferentes uns dos outros (casado ou solteiro, tipo de trabalho,
número de filhos, local de habitação, etc.), mas conhecemos pouco sobre a
batalha da fé que é travada todos os dias por trás de rígidos limites
pessoais.
Uma das coisas que ainda me assombra no
aconselhamento, mesmo após todos esses anos, é o quão pouco costumo
saber sobre pessoas que considerava como verdadeiros amigos. Não posso
dizer a vocês quantas vezes, ao falar com amigos que buscaram a minha
ajuda, fui surpreendido com detalhes sobre dificuldade e luta muito além
de qualquer coisa que eu teria previsto. O privatismo não é apenas
praticado pelo incrédulo solitário; também é generalizado na Igreja.
Se, em vez disso, todos começássemos a
viver em redes entrelaçadas de relacionamentos cada vez mais íntimos, as
nossas vidas seriam muito melhores.
Criando intimidade
Mas, como podemos fazer isso? Como podemos começar a construir essas redes tão necessárias?
Em primeiro lugar, precisamos dedicar
tempo às pessoas. As amizades são construídas não através de conversas
rápidas antes e depois da igreja, mas quando permanecemos na companhia
uns dos outros. Então, que atividades mais realizamos? Bem
(desconsidere, conforme apropriado): cozinhar, comer, beber, lavar
louças, assistir televisão, levar as crianças para o parque, artesanato e
passear no shopping; todas essas vêm imediatamente à mente. Comece a
convidar as pessoas a fazerem essas coisas com você (provavelmente você
fará a maioria dessas coisas de qualquer modo) — você logo conhecerá
melhor essas pessoas.
Em segundo lugar, comece a compartilhar
algumas intimidades com seus amigos. Conte a eles as suas preocupações,
dúvidas, medos e sofrimento; faça-lhes perguntas sobre eles. Uma das
minhas melhores amizades foi edificada sobre apenas uma conversa quando
ele me fez algumas boas perguntas. Outras amizades se desenvolveram
lentamente ao longo dos anos, enquanto compartilhamos honestamente os
altos e baixos da vida juntos.
Em terceiro lugar, persevere! Amo a
observação de Anne Lamott: “A ruína é o terreno em que as nossas
amizades mais profundas são edificadas”. Eu continuo errando em amizades
e sou tentado a fugir sempre que cometo erros novamente. Contudo,
minhas melhores amizades são as que implodiram, mas depois foram
reconstruídas lentamente. As amizades com muita frequência realmente
continuam após a primeira discussão ou mal-entendido e as conversas
delicadas e dolorosas que se seguem.
Deseja mais ajuda com suas amizades? Meu amigo Vaughan Roberts escreveu recentemente um pequeno livro sobre amizade
que seria minha melhor indicação para você. Recentemente, encorajamos
toda a nossa família da igreja a lê-lo. Nele, Vaughan compartilha
honestamente a sua própria percepção da superficialidade de muitas de
suas amizades e o que ele fez para mudar isso — baseado no que a Bíblia
diz sobre a importância de amizades íntimas. Por que não ler esse livro
depois deste artigo?
***
Nota do editor: Este artigo foi extraído de Same-Sex Attraction and the Church [Atração
Homossexual e a Igreja] por Ed Shaw. Copyright (c) 2015 por Ed Shaw.
Copyright (c) 2015. Usado com permissão de InterVarsity Press, P.O. Box
1400, Downers Grove, IL 60515.
Traduzido com permissão. Fonte: Redefining Intimacy.
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